Publicado em Quinta, 20 Agosto 2015 16:02
Foto: Cristina Horta /EM / D.A. Press
Baixo prestígio profissional, salários pouco atrativos e
problemas sociais nas salas estão entre os fatores que tornam a docência
menos atraente. Especialista estima que a reversão do quadro leve 20
anos.
Baixos salários, falta de progressão na carreira e reflexos de
problemas sociais dentro da escola tornam pouco atrativa uma profissão
essencial para o desenvolvimento do país: a de professor. A última
estimativa divulgada pelo Ministério da Educação (MEC) dá conta de que
faltem 170 mil docentes nos níveis fundamental e médio no país. Porém,
mesmo quando estão nas salas de aula, muitos deles não têm a
qualificação necessária para a formação dos estudantes. Em Minas, cerca
de 29 mil professores não têm licenciatura, de acordo com dados da
Secretaria de Estado da Educação. Nas universidades federais de Minas
Gerais (UFMG) e de Ouro Preto (Ufop), parte das vagas ociosas decorre do
baixo interesse pelos cursos de licenciatura, que formam docentes,
principalmente na área de exatas, para disciplinas como matemática,
física e química. E recuperar esse tempo perdido pode levar décadas.
Especialistas alertam que não só os baixos salários tornam a docência
menos atraente. Além da remuneração, faltam planos de carreira e ainda é
preciso lidar com questões como desagregação familiar e agressões em
sala de aula, que extrapolam o âmbito da educação. “Vemos um crescente
desinteresse pelas áreas de licenciatura e pedagogia. Paga-se mal e as
condições são péssimas. Por isso, as pessoas vão para outras carreiras”,
diz Fernando Kutova, professor e diretor da Conexa Eventos, empresa
especializada na formação de professores da educação básica.
O especialista alerta para a gravidade do problema. “Não teríamos
médicos, advogados, sem professor da educação básica. Mas esse
profissional vem perdendo o status que tinha”, afirma. Segundo ele, o
governo federal deveria fomentar um plano de carreira que pudesse atrair
profissionais. Mas não é uma solução de curto prazo. O processo para
reverter o quadro levará pelo menos 20 anos, pelos cálculos do
especialista. “No Brasil, educação é um problema social. Como se vai
conseguir que o professor se interesse, diante dos baixos salários?
Soma-se a isso o fato de que os alunos enfrentam diversos problemas
sociais. Não adianta apenas falar que o salário vai dobrar”, diz.
Fernando conta como Cingapura, na Ásia, conseguiu melhorar a educação
a partir da valorização do docente da educação básica. Houve um aumento
na procura pelos cursos de licenciatura depois que o país instituiu um
programa de trainee. Os professores faziam uma prova para entrar no
projeto e, depois de um ano, o desempenho era medido a partir do
aprendizado dos alunos. “Se o educador passasse nessa prova, estaria
habilitado a entrar em uma instituição pública. Se, em um ano, os alunos
tivessem um nível de proficiência mais elevado, o educador então
passaria a fazer parte da categoria e teria salários equiparados aos
profissionais liberais”, diz.
DESPRESTÍGIO Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a
ociosidade de vagas chega a 10%, tendo o desinteresse pelos cursos de
licenciatura como uma das causas. “A universidade faz o seu papel, no
sentido de mostrar e divulgar os cursos. Mas a carreira de professor
ainda é pouco reconhecida. Não tem o destaque que deveria em termos
salariais e de prestígio”, pontua o pró-reitor de Graduação, Marcílio
Sousa da Rocha Freitas. A universidade oferece 14 cursos de
licenciatura.
A falta de professores no ensino básico faz com que muitos
profissionais tenham que se desdobrar em mais de duas escolas. É o caso
da professora Lídia Gonçalves Soares, de 50 anos, que trabalha nas redes
públicas de Belo Horizonte e Contagem, na região metropolitana. Ela
lembra que, devido à falta de educadores, até o ano passado não era
possível manter o horário de planejamento de aulas. Agora, ela comemora o
fato de ter tempo para preparar conteúdo e se capacitar. “Tivemos
avanços. Hoje temos bons livros didáticos, a escola em que trabalho tem
boa infraestrutura, mas nós, professores da educação básica, não somos
reconhecidos. Ainda somos pouco valorizados”, diz.
A PUC Minas oferece 30 bolsas integrais para cada um dos cursos de
licenciatura em 10 áreas. Desde o segundo semestre de 2013, foram
realocadas, como incentivo, 30 bolsas integrais (de 100%) via ProUni
para cada uma das graduações para educadores em física, geografia,
história, letras, matemática e pedagogia. “Oferecemos 60 vagas por
entrada, então as bolsas cobrem a metade delas”, afirma a diretora do
Instituto de Ciências Humanas, Carla Ferretti. Em sua avaliação, desde
2013, quando o governo federal lançou programa para valorização dos
professores, houve melhora no quadro, mas ainda há pouco interesse pela
área. “É um processo. Ainda vivemos esse quadro, mas com perspectiva de
reversão. Senão, a educação no país vai para o fundo do poço”, avalia.
Em 2013, diante do baixo interesse pelos cursos de formação de
professores, a PUC iniciou programa para torná-los mais atrativos.
“Conseguimos reverter a demanda muito baixa que tínhamos. O número de
alunos cresceu, mas os cursos não estão plenamente ocupados.”
A coordenadora do curso de letras da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Sueli Coelho, afirmou que há muito interesse pelos cursos
de línguas, que permitem que o professor lecione tanto na educação
básica quanto em cursos livres de escolas de idiomas. O governo federal
implementa, desde 2009, o Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica (Parfor). Neste ano, 51 mil professores frequentam os
cursos e 12 mil se formaram.
O idealismo que move carreiras
Apesar dos salários baixos, da falta de planos de carreira e de
reconhecimento, há estudantes que não abandonam o sonho com a docência. É
o caso dos alunos do ensino médio Helena Arcanjo Tonelli Reis e
Guilherme Rodrigues Otoni Alcântara, do Colégio Padre Eustáquio, ambos
de 17 anos. Guilherme pretende ser professor de história, e Helena, de
português. “Tenho o compromisso com a educação de outras pessoas. Todo
mundo precisa passar por um professor para se formar. Só teremos um país
melhor com investimento em educação”, diz Helena.
Ela se espelha no professor de redação Adélcio Ferreira Dias. “É o
professor que eu gostaria de ser. Ensina coisas que vou levar para o
resto da vida.” Outras referências são a avó, Maria da Conceição, que
cursou magistério, e a mãe, Cynthia Arcanjo, que, embora engenheira,
atuou como professora de física. “A questão salarial não me preocupa. É
um problema real, mas o dinheiro não é o mais importante. O que adianta
fazer algo que torna a pessoa rica, mas infeliz?”
Guilherme lembra que os cursos de licenciatura não são tão
valorizados devido ao fato de que os professores não costumam ser bem
remunerados. “Teoricamente, curso bom é o que dá dinheiro. Mas não é o
fator mais importante. Se você está feliz com sua profissão, o dinheiro
vem, aumentam a chances de ser bem-sucedido”, avalia o jovem. “Para mim,
ser professor é ensinar para o aluno como vai ser o futuro. É muito
mais importante do que ensinar conteúdo. É ensinar cidadania.”
(Estado de Minas, 20/08/2015)