Morre aos 87 anos o escritor Ariano Suassuna, o cavaleiro do sertão
Autor paraibano foi vítima de um AVC, em Recife, onde viveu a maior parte de sua vida
O escritor paraibano Ariano
Suassuna morreu às 17h28m desta quarta-feira, aos 87 anos, vítima de uma
parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana. Ele estava
internado no Real Hospital Português, em Recife, Pernambuco, desde
segunda-feira, depois de sofrer um acidente vascular cerebral
hemorrágico. O autor passou por uma cirurgia de emergência, acabou
entrando em coma e não resistiu. Integrante da Academia Brasileira de
Letras, Suassuna teve seis filhos e 15 netos. Defensor da cultura
popular brasileira, era um dos maiores dramaturgos do país, além de
autor de romances e poemas.
No dia 21 de agosto do ano
passado, ele foi atendido no mesmo hospital por causa de um infarto,
“com comprometimento cardíaco de pequenas proporções”. Uma semana
depois, passou mal e voltou a ser internado, sendo submetido a uma
arteriografia para corrigir um aneurisma que vinha lhe provocando fortes
dores de cabeça.
Nascido em 16 de junho de 1927
em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, capital da Paraíba, Ariano
Vilar Suassuna era filho de João Suassuna, então governador de seu
estado natal. Com o fim do mandato, um ano depois, toda a família se
mudou para o interior.
O velho contador de histórias do sertão tinha apenas 3 anos quando um
fato trágico marcou sua infância. No desenrolar da Revolução de 1930,
um pistoleiro de aluguel assassinou seu pai com um tiro pelas costas,
numa rua do Rio de Janeiro.
O assassinato foi motivado por
boatos que apontavam o patriarca da família Suassuna como mandante da
morte de João Pessoa, seu sucessor no governo, fato que serviu de
estopim para a revolução. Um ambiente assim, com dívidas de sangue e
rivalidade entre famílias, cobrava dos órfãos a vingança. Mas, um dia
antes de ser assassinado, João Suassuna deixou uma carta aos nove filhos
pedindo que eles não se tornassem assassinos por sua causa.
Ariano Suassuna obedeceu. Em vez
disso, dizia estar perto de perdoar os criminosos que mataram seu pai. A
mãe e viúva também ajudou, ao dizer que o pistoleiro responsável pelo
crime já havia morrido (era mentira). Com a tragédia, a família mudou-se
para a pequena cidade de Taperoá, no interior da Paraíba. E Ariano
herdou a biblioteca do pai, onde encontrou livros importantes para sua
formação. Um dos mais importantes, sem dúvida, foi “Os sertões”, de
Euclides da Cunha. A obra lhe apresentou um dos personagens que mais
marcaram sua vida: Antônio Conselheiro, profeta e líder de Canudos.
Em 1942, Suassuna foi para
Recife concluir o ensino básico. Anos depois, na faculdade de Direito,
ajudou a fundar o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1947, encenou
sua primeira peça: “Uma mulher vestida de sol”. Nove anos depois,
levaria aos palcos seu texto mais conhecido, “Auto da Compadecida”, que
ganharia adaptações na TV e no cinema.
Por causa do teatro, deixou o
Direito de lado seis anos após ter se formado. O romance surgiu mais
tarde em sua vida. Em 1971, Ariano Suassuna lançou seu “Romance d’a
pedra do reino e o príncipe do sangue vai-e-volta”, com nome comprido
como seus cordéis tão adorados e pensado para ser uma trilogia. Com o
livro, o escritor avança em relação à literatura regionalista dos anos
1930, representada por João Guimarães Rosa e José Lins do Rego. Mais
tarde, Ariano Suassuna diria que “A pedra do reino” era, de certa forma,
uma tentativa de trazer seu pai de volta à vida.
Havia quem acusasse o escritor
de lutar contra moinhos de vento: o escritor se apresentava como um
defensor da cultura popular brasileira, contra a invasão da indústria
cultural norte-americana. Falava mal de Madonna e Michael Jackson. Não à
toa, quando foi secretário de Cultura do governo Miguel Arraes, nos
anos 1990, tornou-se um ferrenho opositor do maracatu eletrônico e do
manguebeat. Ele se recusava, por exemplo, a chamar Chico Science, o
vocalista da Nação Zumbi, pelo nome artístico.
A defesa da cultura nacional, que muitas vezes lhe rendeu o rótulo de
xenófobo, já vinha no sangue e no nome da família. Na onda nacionalista
depois da Independência, em 1822, vários brasileiros adotaram nomes
indígenas. Seu bisavô Raimundo Sales Cavalcanti de Albuquerque escolheu
Suassuna, de origem tupi, e nome de um riacho da região onde a família
vivia. Nos anos 1970, fazendo jus ao nacionalismo da linhagem, Ariano
fundou o Movimento Armorial, que defendia a criação de uma cultura
erudita com bases na cultura popular — e toda a sua obra orbita em torno
desse ideal.
Em 1989, o sertanejo foi eleito para a cadeira de número 32 da Academia
Brasileira de Letras, cujo patrono era Araújo Porto-Alegre. Sexto
ocupante da cadeira, Suassuna nunca foi um imortal de frequentar os
eventos da instituição. Era uma espécie de filho pródigo da ABL.
NOVA OBRA VINHA SENDO ESCRITA HÁ MAIS DE 20 ANOS
Para além de sua obra, o
escritor paraibano ficou famoso também por dar aulas em que dissecava a
cultura brasileira, as suas origens ibéricas, a tradição dos violeiros,
dos cantadores, das rabecas, dos cordéis. Eram aulas-espetáculo. E a
última foi na sexta-feira passada, no 24º Festival de Inverno de
Garanhuns, a 230 quilômetros de Recife. O Teatro Luiz Souto Dourado
ficou lotado, como sempre acontecia nesses eventos. Um dos motivos de
tanto sucesso era o bom humor do escritor, uma de suas marcas. Não que
tenha sido sempre assim. Suassuna atribuía o aparecimento do humor em
sua vida ao encontro com Zélia, sua mulher há mais de 50 anos. Para
Suassuna, ela havia “desatado alguma coisa” dentro dele. “O riso a
cavalo e o galope do sonho são as duas armas de que disponho para
enfrentar a dura tarefa de viver”, escreveu em “A pedra do reino”.
Ariano Suassuna trabalhava em um novo livro havia mais de 20 anos, e
dizia estar longe de terminar. Não era para menos. Seu processo de
criação era lento: escrevia e reescrevia, várias vezes, à mão. Depois,
copiava para a máquina de escrever e, só então, corrigia. Era aí que o
escritor passava tudo a limpo, novamente à mão. Às vezes, descartava
todo o material e voltava ao começo do processo. Como ilustrava os
próprios livros e ainda parava para dar suas famosas aulas-espetáculo
pelo país, demorava mais ainda. Sem título, o romance seria a
continuação de “A pedra do reino”.
Além do amor pela literatura, havia espaço para o futebol: seu time do
coração era o Sport Club do Recife, que até o homenageou em seu uniforme
em 2013 com uma frase que ele costumava repetir: "Felicidade é ser
Sport". Suassuna tinha fama de pé quente.
Entre as muitas homenagens que
recebeu, uma das que mais o marcaram foi o desfile da escola de samba
Império Serrano, que levou para a avenida o enredo "Aclamação e coroação
do imperador da pedra do reino Ariano Suassuna", em 2002. "Um escritor
que ama o seu país não pode querer homenagem maior que esta", disse.
Em 2007, ele assumiu a
secretaria de Cultura de Pernambuco a convite do governador Eduardo
Campos, e chegou a ocupar outros cargos até deixar o governo
recentemente, em abril de 2014.
O ano de 2007 também foi marcado
pela celebração dos 80 anos do escritor em todo o Brasil. As homenagens
o levaram a viajar de Norte a Sul do país. Uma epopeia para um homem
que, além de apreciar o sossego, detestava avião. Mesmo assim, o
apaixonado e muitas vezes polêmico defensor da cultura popular
brasileira seguia adiante. Mas brincava: se soubesse que chegar aos 80
anos daria tanto trabalho, teria ficado nos 79.
fonte: www.arteecultura.com.br
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