Aumenta o número de profissionais com carreira consolidada e ótimos salários, como médicos, dentistas e sociólogos, que abandonam tudo para se tornar padres
Rodrigo Cardoso (rcardoso@istoe.com.br)OPÇÃO O médico Sarmento terminou com a namorada, trocou um salário de R$ 17 mil e uma carreira promissora para encarar nove anos de estudos e se tornar padre |
O paraense
Renato Sarmento cresceu cultivando o sonho de se formar em medicina.
Primogênito de três filhos de um comerciante e uma contabilista, só
conseguiu concretizá-lo depois de tirar a sorte grande. Ele acertou a
quina da Mega Sena, em 2007 e, com os R$ 18 mil do prêmio, pagou um
semestre inteiro em uma faculdade privada. Mais adiante, conseguiu um
financiamento estudantil para arcar com o restante do curso. Assim, pôde
se tornar o primeiro médico da família. Empregado em dois postos de
saúde e num hospital público em sua cidade natal, Paragominas, o rapaz
tinha carro, um salário de R$ 17 mil e namorava. Sua carreira ia tão bem
que conseguiu um estágio no departamento de neurocirurgia do Hospital
Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Mas Sarmento não se achava pleno.
“Sentia uma inquietação, um vazio”, diz ele, sentado no banco de um
seminário católico, na capital paulista, seu novo endereço desde o mês
passado.
MUDANÇA Schwaab era repórter de jornal até o ano passado. Hoje é requisitado para entrevistar sacerdotes |
Sarmento abandonou a carreira, terminou o
namoro, abriu mão dos bens materiais e é, hoje, aos 25 anos, um dos 17
seminaristas matriculados no curso de propedêutica do seminário Nossa
Senhora da Assunção. Seu novo sonho é ser padre. Foi na capital
paulista, no silêncio da Catedral da Sé, em meados de 2013, que ele
sentiu esse chamado, logo anunciado ao pároco local. De volta ao Pará,
conheceu um padre que se tornou uma espécie de mentor espiritual até sua
mudança definitiva para o seminário. Histórias como a do jovem paraense
são cada vez mais frequentes. Reitores das casas diocesanas apontam
para um aumento do número de seminaristas que, já com uma faculdade no
currículo, optam por abandonar suas profissões para dar ouvidos ao
chamado de Deus.
CORAGEM Passos cursou economia e ganhava R$ 12 mil como executivo comercial de uma incorporadora. Aos 36 anos, chegou ao seminário |
Além do médico, no seminário paulista há um
dentista, um psicólogo e um pós-graduado em sociologia que formam um
grupo de 13 pessoas com curso superior. Em 2013, havia oito (leia
quadro). “Estamos aprendendo a lidar cada vez mais com adultos que já
chegam com uma considerável bagagem cultural e humana”, diz o padre
Lucas Mendes, formador do seminário São José, da diocese de Porto
Alegre. Nessa casa, há oito seminaristas com curso superior, sete a mais
do que no ano passado. “Atualmente, o processo de maturação é lento,
acontece em idades mais avançadas e isso reflete na decisão vocacional
tardia.” Seminários como os de antigamente, nos quais o candidato se
matriculava ainda criança, com 11, 12 anos, são cada vez mais raros no
País. Poucos ainda resistem em regiões predominantemente rurais.
PERFIL Alunos do Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo: aumento de 45% do número de seminaristas com ensino superior |
Foi logo após o Concílio Vaticano II
(1962-1965), reunião de bispos do mundo inteiro que provocou profundas
mudanças na Igreja Católica, que formadores vocacionais passaram a
receber candidatos mais velhos. Ainda assim, naquela época em que os
católicos representavam mais de 90% da população brasileira, a
experiência cristã acontecia já na infância, o que influenciava vocações
religiosas precoces. Atualmente, pelo fato de as famílias serem mais
enxutas e em muitas delas a tradição católica não vir de berço, a
vocação cristã é empurrada para outros momentos da vida. “No caso,
muitas vezes, depois de experiências acadêmicas e no mercado de
trabalho”, afirma o padre Valdecir Ferreira, assessor dos ministérios
ordenados e vida consagrada da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
A bagagem dos seminaristas com profissão
costuma ser aproveitada pela Igreja. Em Porto Alegre, por exemplo, o
jornalista Darlan Schwaab, 24 anos, um dos oito do seminário São José,
já foi escalado para entrevistar um padre para o departamento de
comunicação local. Schwaab era repórter de cultura e gastronomia do
jornal “Zero Hora” até o fim do ano passado, quando decidiu seguir uma
vocação que já despontava desde pequeno. Nascido no Acre, ele vai à
missa aos domingos desde 5 anos, foi coroinha e frequentou retiros
vocacionais. “Mas decidi não tomar nenhuma decisão antes de me formar,
para discernir melhor”, diz. Para o sacerdote José Luiz da Silva,
formador do seminário Santa Cruz, em Goiânia, os jovens de agora não
gostam de assumir compromissos duradouros. Ele fala isso tendo em mente
os nove anos de estudos necessários para que um aluno seja ordenado
padre. “Mas com o passar do tempo a nossa existência cobra isso e,
assim, as vocações tardias vão aumentando”, diz.
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