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domingo, 23 de março de 2014

Mudança de hábito

Aumenta o número de profissionais com carreira consolidada e ótimos salários, como médicos, dentistas e sociólogos, que abandonam tudo para se tornar padres

Rodrigo Cardoso (rcardoso@istoe.com.br)
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OPÇÃO
O médico Sarmento terminou com a namorada, trocou um salário de R$ 17 mil
e uma carreira promissora para encarar nove anos de estudos e se tornar padre

O paraense Renato Sarmento cresceu cultivando o sonho de se formar em medicina. Primogênito de três filhos de um comerciante e uma contabilista, só conseguiu concretizá-lo depois de tirar a sorte grande. Ele acertou a quina da Mega Sena, em 2007 e, com os R$ 18 mil do prêmio, pagou um semestre inteiro em uma faculdade privada. Mais adiante, conseguiu um financiamento estudantil para arcar com o restante do curso. Assim, pôde se tornar o primeiro médico da família. Empregado em dois postos de saúde e num hospital público em sua cidade natal, Paragominas, o rapaz tinha carro, um salário de R$ 17 mil e namorava. Sua carreira ia tão bem que conseguiu um estágio no departamento de neurocirurgia do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Mas Sarmento não se achava pleno. “Sentia uma inquietação, um vazio”, diz ele, sentado no banco de um seminário católico, na capital paulista, seu novo endereço desde o mês passado. 

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MUDANÇA
Schwaab era repórter de jornal até o ano passado.
Hoje é requisitado para entrevistar sacerdotes
Sarmento abandonou a carreira, terminou o namoro, abriu mão dos bens materiais e é, hoje, aos 25 anos, um dos 17 seminaristas matriculados no curso de propedêutica do seminário Nossa Senhora da Assunção. Seu novo sonho é ser padre. Foi na capital paulista, no silêncio da Catedral da Sé, em meados de 2013, que ele sentiu esse chamado, logo anunciado ao pároco local. De volta ao Pará, conheceu um padre que se tornou uma espécie de mentor espiritual até sua mudança definitiva para o seminário. Histórias como a do jovem paraense são cada vez mais frequentes. Reitores das casas diocesanas apontam para um aumento do número de seminaristas que, já com uma faculdade no currículo, optam por abandonar suas profissões para dar ouvidos ao chamado de Deus.

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CORAGEM
Passos cursou economia e ganhava R$ 12 mil como executivo comercial
de uma incorporadora. Aos 36 anos, chegou ao seminário
Além do médico, no seminário paulista há um dentista, um psicólogo e um pós-graduado em sociologia que formam um grupo de 13 pessoas com curso superior. Em 2013, havia oito (leia quadro). “Estamos aprendendo a lidar cada vez mais com adultos que já chegam com uma considerável bagagem cultural e humana”, diz o padre Lucas Mendes, formador do seminário São José, da diocese de Porto Alegre. Nessa casa, há oito seminaristas com curso superior, sete a mais do que no ano passado. “Atualmente, o processo de maturação é lento, acontece em idades mais avançadas e isso reflete na decisão vocacional tardia.” Seminários como os de antigamente, nos quais o candidato se matriculava ainda criança, com 11, 12 anos, são cada vez mais raros no País. Poucos ainda resistem em regiões predominantemente rurais.

 
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PERFIL
Alunos do Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo: aumento
de 45% do número de seminaristas com ensino superior
Foi logo após o Concílio Vaticano II (1962-1965), reunião de bispos do mundo inteiro que provocou profundas mudanças na Igreja Católica, que formadores vocacionais passaram a receber candidatos mais velhos. Ainda assim, naquela época em que os católicos representavam mais de 90% da população brasileira, a experiência cristã acontecia já na infância, o que influenciava vocações religiosas precoces. Atualmente, pelo fato de as famílias serem mais enxutas e em muitas delas a tradição católica não vir de berço, a vocação cristã é empurrada para outros momentos da vida. “No caso, muitas vezes, depois de experiências acadêmicas e no mercado de trabalho”, afirma o padre Valdecir Ferreira, assessor dos ministérios ordenados e vida consagrada da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A bagagem dos seminaristas com profissão costuma ser aproveitada pela Igreja. Em Porto Alegre, por exemplo, o jornalista Darlan Schwaab, 24 anos, um dos oito do seminário São José, já foi escalado para entrevistar um padre para o departamento de comunicação local. Schwaab era repórter de cultura e gastronomia do jornal “Zero Hora” até o fim do ano passado, quando decidiu seguir uma vocação que já despontava desde pequeno. Nascido no Acre, ele vai à missa aos domingos desde 5 anos, foi coroinha e frequentou retiros vocacionais. “Mas decidi não tomar nenhuma decisão antes de me formar, para discernir melhor”, diz. Para o sacerdote José Luiz da Silva, formador do seminário Santa Cruz, em Goiânia, os jovens de agora não gostam de assumir compromissos duradouros. Ele fala isso tendo em mente os nove anos de estudos necessários para que um aluno seja ordenado padre. “Mas com o passar do tempo a nossa existência cobra isso e, assim, as vocações tardias vão aumentando”, diz.

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