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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Educação - POR QUE FAZER OU NÃO FAZER GREVE NA EDUCAÇÃO NO RN? como resposta, decidi publicar texto da professora Márcia Gurgel/UFRN

AS GREVES DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NO RN E A POLÊMICA DA JUSTEZA

Inicio pedindo desculpas pelo texto longo, mas ao reduzi-lo correria o risco de aligeirar algumas análises, já breves.

Os profissionais da educação no RN, das redes públicas estadual e municipal de Natal, estão em greve. Proliferam mensagens e notas de pessoas e de grupos, questionando a justeza do movimento desses profissionais, nas redes sociais. Atribuem à greve o fracasso da aprendizagem dos alunos e até o aumento da criminalidade entre os jovens, remetendo aos professores e ao movimento sindical, de forma linear, a responsabilidade pela gravíssima situação na qual vive a educação pública nesse estado. No entanto, em minha consideração pessoal, essa é uma visão simplista e reducionista para analisar um problema complexo, que só favorece a quem interessa ver a educação pública sucateada e entregue à iniciativa privada ou a outras formas de gerência. Será que existe um só responsável pelo fracasso da educação no RN? Será o professor, que faz greve? Ou o aluno, que não estuda? Ou seus pais, que são permissivos com a disciplina escolar? Ou os currículos escolares, que estão defasados? Tem ainda quem diga que são as universidades que não sabem formar professores.

Lamentavelmente, esses elementos não são vistos em conjunto e como consequência do projeto de educação de cada governo. A ferida não é tocada e as políticas públicas pouco questionadas, raramente é considerada a falta de prioridade governamental com a educação pública, gratuita, laica, de qualidade socialmente referenciada, emancipatória, esquecem-se a violação do direito inalienável de todo/a cidadão/ã à educação, como projeto de estado, a ser requerida como causa do grave quadro de abandono da educação em nosso estado.

Essas questões são exacerbadas em momentos de greve e não são analisadas em toda profundidade, complexidade e extensão, mesmo pelo movimento grevista. Todo momento de greve é desgastante, tanto para quem o realiza quanto para os que sofrem as suas consequências. A greve ainda é o mecanismo legítimo de negociação e de defesa dos direitos do trabalhador, mas é inegável que ela gera instabilidade, tensões e prejuízos. Porém, nenhuma conquista foi possível em educação que não tenha advindo do enfrentamento e da luta coletiva, nada foi concedido, nada caiu do céu. Na sociedade desigual, elitista e injusta em que vivemos, marcada pela apropriação privada dos bens e serviços por poucos privilegiados, de forma cada vez mais intensa e excludente, não se pode considerar a negociação patronal direta como garantia de direitos. O diálogo só flui quando as partes se predispõem a abrir mão de suas convicções, tomando a legislação e o estabelecido histórica e coletivamente como pressupostos de respeito ao direito do outro. Mas, esse não é o processo adotado nessa greve, desencadeando acirramentos e tensões com a judicialização do movimento. Se assim fosse, bastava colocar em prática o arcabouço legal que regula a educação, contida nele a Lei Nacional do Piso Salarial do Magistério, Lei 11.738/2008, desrespeitada pelos governos, constituindo-se um dos motivos da paralisação, para que a tensão da greve deixasse de existir.

Ao se considerar o processo histórico de desenvolvimento e organização da educação brasileira, é evidente que o sistema educacional brasileiro ainda é muito jovem, com menos de um século. Trago algumas memórias de quem completa 38 anos de magistério público agora, no dia 09 de abril de 2018. Alguns dizem: “quando meu pai estudou no Atheneu era uma escola boa, mas agora.. “. Sim, relativizemos, porque quando eu estudei lá, na década de 1970, já não era uma escola tão boa. Esses, talvez não saibam, mas existiam algumas escolas públicas isoladas, outras escolas privadas e o acesso era majoritariamente privilégio das famílias abastadas, com mais de 70% da população fora da escola, na década de 1930, melhorando, em números, até a década de 1980, com a expansão do ensino primário.

Na educação superior a situação ainda era mais grave, uma vez que o acesso era assegurado para quem podia, para os filhos das famílias ricas que iam estudar em universidades em outros estados ou, até mesmo, em outros países. Basta pensar que a UFRN é mais jovem que eu, em um ano de idade, completando 60 anos em 2018. Uma menina!!!!

A educação como um direito, a democratização e a universalização do acesso, a expansão das redes de ensino, com abertura das escolas às diversas classes sociais, são bandeiras recentes e uma conquista que começa a ser consolidada na década de 1980. Avanços significativos podem ser registrados na história da educação brasileira, que estabelece marcos importantes na construção de um projeto de educação como direito de todo ser humano, regulado em documentos como, entre outros: o Movimentos dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, as Constituições Brasileiras, de 1946 e de 1988, o Plano Decenal de Educação, de 1993, e as Leis de Diretrizes e Bases, LDB de 1961 e de 1996, cada um guardando as proporções dos respectivos momentos históricos. Como resultado desse processo, chegamos ao final da década de 2010 com, aproximadamente, 95% das crianças, na idade entre 07 a 10 anos, matriculadas nas escolas brasileiras e o estabelecimento de um sistema público de educação.

No que diz respeito à política de valorização dos profissionais do magistério, foram muitos movimentos dos educadores, com muitas greves, para conquistar a formação inicial em nível superior, a formação continuada como um direito previsto no projeto da escola, um salário menos defasado, condições de trabalho e de saúde dignas, planos de carreira para todos os profissionais e carga horária compatível com as necessidades de trabalho pedagógico. Em 2007, os educadores conquistaram o FUNDEB, versão ampliada do antigo FUNDEF, com duração até 2020, e que inclui mudanças significativas para a educação nacional, assegurando não só a aplicação de recursos no pagamento do salário dos profissionais do magistério, mas, também, o custeio de programas de melhoria da qualidade da Educação, a formação continuada dos professores, a aquisição de equipamentos, a construção e manutenção das escolas, de acordo com o site do MEC. Esses são recursos da União, dos estados, distrito federal e dos municípios, para a educação básica, para assegurar a universalização do acesso, a permanência com qualidade na aprendizagem de todos os alunos, em todos os níveis e modalidades, desde a creche ao ensino médio e a valorização dos profissionais do magistério.

Para assegurar os diversos avanços e resolver problemas históricos da educação, como o analfabetismo e a exclusão escolar, foi aprovado o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2014. Havia, ainda, entre os educadores, uma enorme expectativa em relação a esse segundo PNE 2014-2024, que faria a educação avançar como Sistema Nacional Articulado, com metas e estratégias ousadas para garantir o direito à educação, a erradicação do analfabetismo, o avanço da ciência e da tecnologia, a formação integral e cidadã de toda a população brasileira, com financiamento específico para União, estados, distrito federal e municípios. No entanto, as medidas restritivas do atual governo federal lançaram por terra todo o planejamento educacional feito para a próxima década, que impulsionaria não só os índices educacionais, mas o desenvolvimento cultural e econômico do país, a exemplo de outras sociedades cresceram ao tomar a educação como estratégia de crescimento humano e social.

Entretanto, se avançamos na democratização da educação básica e, de certa forma, na expansão da educação superior pública, ainda temos muito a realizar para a melhoria da qualidade, na aprendizagem e na proficiência, nas estruturas das redes de escolas, com laboratórios, bibliotecas, tecnologias de ensino e de aprendizagens, na valorização do magistério, nas reformas curriculares e no financiamento da educação.

Experimentamos, no momento, um retrocesso nas políticas educacionais a partir do golpe de 2016, de caráter eminentemente político, mas com fundamentos econômicos que atende aos interesses do capital financeiro. Na educação, esses retrocessos nos fizeram voltar aos anos 1940, segundo professor Dermeval Saviani, em entrevista ao Jornal Brasil de Fato, publicada em 15/12/2017. Esses retrocessos, de diversas ordens, decorrem, segundo o autor: da Reforma do Ensino Médio, que retoma a formação profissional de um lado e a formação das elites de outro lado, aprofundando as diferenças de oportunidades para nossa juventude; da EM 95/2016, a PEC dos gastos, que inviabiliza o PNE 2014-20124, já que até 2037 os gastos com a educação estão limitados e praticamente nenhuma meta será cumprida; o crescimento de projetos ideológicos de direita, como o Projeto Escola Sem Partido, que cerceia a liberdade de pensamento e de crítica, uma vez que está pautado em preceitos fundamentalistas e conservadores, propondo uma formação isenta de criticidade e de capacidade analítica dos alunos. Esses são apenas alguns aspectos que singularizam o momento histórico em que vivemos na educação nacional e que, por si só, já indicariam a necessidade de um grande movimento de resistência social.

A educação, no atual contexto, não é considerada prioridade nem a valorização do magistério uma referência para a construção de ações de gestão de pessoas no magistério público. Na pauta da greve, o SINTE/RN apresenta 54 pontos, incluindo aspectos como: garantia de 6,11% de aumento do piso salarial (já assegurado por lei); a melhoria das condições de trabalho; aspectos sobre a carreira dos funcionários, plano de carreira do magistério público, melhoria das condições de trabalho e de funcionamento da rede, paridade entre aposentados e servidores da ativa, entre outros aspectos.

O Sindicato denuncia a crescente precarização do trabalho pedagógico, em que os educadores, alunos e seus familiares, são desrespeitados, quando têm que conviver com escolas em péssimas condições, faltando laboratórios, internet, bibliotecas com livros e equipamentos, lanche para os alunos, salas de aulas sujas, quentes e desorganizadas, faltam espaços de convivência e de recreação, transporte para os alunos das escolas do campo, vagas para os alunos da EJA. Atender a esses elementos indica sensibilidade e compromisso com uma educação de qualidade, assumida como projeto de estado, características que esse governo não possui.

Assim, é justa essa greve? Para mim, ela é justa sim. Lutar pela qualidade da educação justifica não só uma greve dos educadores, mas um movimento grandioso articulado entre os profissionais, alunos, famílias, movimentos sociais e toda a sociedade civil organizada. Lutar por dignidade, por salários atualizados e pagos em dia, por aposentadoria decente, por planos de carreira, por concursos públicos, por progressão e estímulo à formação continuada valem o enfrentamento e os xingamentos dos que não compreendem o contexto histórico. Esses são apenas alguns poucos motivos para considerar a importância da luta pela educação e pelos educadores, sabendo que existem muitos outros, mas não haveria de ser nesse pequeno texto que daria conta de tamanha complexidade.

Vislumbro que não há alternativa, nesse momento, senão somar esforços pela garantia do direito à educação, resistindo a todo o desmonte, em todos os níveis e modalidades. É necessário encontrar formas de envolver não só os profissionais da educação e suas entidades representativas, mas todo o movimento social, órgãos de controle e de defensoria, famílias dos alunos, Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional, grupos étnicos, raciais, de gêneros, pessoas de todas as identidades, mas que tenham como princípio a justiça social e os direitos humanos. Márcia Gurgel/UFRN

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