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quarta-feira, 15 de julho de 2020

SOBRE VOLTAR OU NÃO ÀS AULAS PRESENCIAIS ESTE ANO

Volta às aulas: viver ou morrer.

Em 1989, com 25 anos de idade, iniciei minha jornada pedagógica como professor de Língua Portuguesa, assumindo turmas do 5º ano do ensino fundamental em uma escola pública estadual do RN, localizada em um bairro de periferia na Cidade de Natal, vão-se 31 anos. À época, o giz e a lousa em cimento queimado eram os principais recursos didáticos à disposição do professor no ensino público. Não existiam livros didáticos disponíveis para todos os discentes e quase não existiam bibliotecas nas escolas. Quando existiam, o acervo era (e continua sendo) paupérrimo, sem falar nas condições ambientais e equipamentos nunca disponibilizados. Merenda escolar até existia, todavia, o cardápio e a qualidade das refeições tiravam o apetite. E por que estou lembrando essa realidade? Alguém que não seja professor(a) deve pensar que hoje a realidade superficialmente descrita nas linhas anteriores ficou no passado. Não ficou. Há avanços, isso é verdade, mas muito pálidos. Pessoalmente, enquanto profissional da educação e por “exigências” inerentes à função, sempre busquei atualização/formação (encontros, oficinas, congressos, seminários, pós-graduações, cursos, entre outros), nunca correspondido em vantagens salariais ou em condições de trabalho no ambiente escolar (premissa para a realização daquilo que é planejado). Chego aos 56 anos, aposentadoria à vista; tendo lecionado em várias escolas públicas do ensino fundamental ou médio, atuado também como coordenador e diretor. Nesse percurso nunca vi ou trabalhei em uma escola com totais condições sanitárias.

Se alguém duvida, visite uma escola pública ou privada (na sua maioria), vá direto aos banheiros dos estudantes e observe se existem pias e sanitários em condições de uso, com sabão líquido ou sabonete, papel toalha, paredes limpas sem infiltrações, piso limpo e seco, portas com fechaduras e limpas; aproveite e visite as salas de aulas, certamente verificará paredes sujas, carteiras ou mesas e armários com ferrugem, ventiladores ou ar-condicionados (se existirem) em quantidade inadequada, sem manutenção, com fiação exposta, janelas e portas quebradas, piso incompleto ou necessitando substituição, telhado ou teto precisando de manutenção; visite a cozinha e fale com as merendeiras. Seja curioso e pergunte sobre computadores para alunos e professores; se existirem, ligue-os (talvez funcionem) e tente acessar a internet, verifique se existem lousas digitais nas salas de aulas, projetor, lápis e apagador para uso exclusivo de cada professor(a), pergunte se esses(as) alternam as salas na mudança de turma ou permanecem na mesma sala; sem dúvida são muitos espaços e não descrevi o ambiente para a prática esportiva e seus equipamentos. Para finalizar sua visita, pergunte quando a escola passou por uma reforma/manutenção completa, como também sobre o material didático disponível para os(as) professores(as) e se existem recursos financeiros disponibilizados à escola suficientemente para isso. Calma, vai passar!

Esse é o painel pintado em cores vivas que tenho vivenciado há três décadas no âmbito das escolas. Alguém pode afirmar com certeza se essa realidade vai mudar da noite para o dia em conformidade com o que preceitua a OMS e os órgãos de fiscalização e vigilância sanitária do Brasil, de um estado ou de um município no momento de contenção, prevenção e combate ao coronavírus (COVID-19)? Necessitar-se-á de tempo, bastante tempo para que tenhamos as condições essenciais para o retorno às aulas presenciais. Transcrevo a opinião de uma mãe, reservando-me o direito de não a nomear como precaução a qualquer tipo de reação/comentário:

“Sobre o retorno das crianças à Escola: Nem médicos, nem os próprios cientistas sabem ao certo o que é, como se manifesta, como se transmite, nem nada sobre a COVID-19. Tantas pessoas que alegam não terem saído de casa e se contaminaram.

E querer colocar as crianças juntas nesse momento? E uma escola não é uma universidade, onde você fala para o aluno sente-se e assista a aula no seu lugar.

Criança não para, criança se mexe, pula, brinca, precisa correr, coloca o lápis na boca, os dedos nos olhos, compartilha brinquedo, abraça os amigos, coloca as mãos em todos os lugares. Criança não tem maturidade para obedecer a Protocolos de Segurança Sanitária!!

Eu NÃO sou a favor de mandar as crianças para a escola até ter certeza da cura e prevenção.”

 

            Outra opinião sensata tem o procurador municipal Carlos Castim, ex-secretário interino na Secretaria Municipal de Educação de Natal, que afirmara em entrevista ao jornal O Pantim no dia 13 de julho “Momento não é para retorno às aulas”,  “Nos estabelecimentos, as pessoas entram e saem, há uma rotatividade, mas na escola elas permanecem e interagem”, ”Eu conheço a realidade, e são crianças muito dependentes e carentes de atenção e afeto que se traduzem em contato físico”. Caso você não tenha percebido, apresentei as opiniões de um professor (o autor do texto), de um procurador (a justiça) e de uma mãe (a família), uníssonos nas opiniões quanto à temática volta às aulas.

                Paremos para pensar..., será que a verdadeira preocupação é a aprendizagem dos estudantes ou será que existem outros interesses escamoteados nesse afã por aulas presenciais em uma realidade de pandemia, quando ainda não se tem sequer uma vacina como prevenção? Será que os conteúdos não transmitidos/ estudados/ aprendidos perderam-se no espaço, deixaram de existir nos livros ou plataformas digitais, são irrecuperáveis assim como é a vida se deixada de existir? Ou estão/estarão eles lá, disponíveis a qualquer hora e o tempo para apreendê-los é qualquer tempo que favoreça à vida em primeiro lugar? O relógio não surgiu do nada, foi o homem que o criou. Por que tanta pressa? O mundo não vai se acabar agora, mas muitas vidas irão embora simplesmente pela dissimulação das verdadeiras intenções por parte de um pequeno número de pessoas que, talvez, atuem em defesa de um sistema econômico cruel, desumano. Atente-se que, na Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, § 3º) e a vida (Art. 5º) se antepõem à educação (Art. 205). Portanto, trazendo à memória daqueles(as) que têm as leis como algo soberano, a vida está em primeiríssimo lugar.

            Vivemos momentos de incertezas em todas as áreas é fato, parece que estamos à deriva sem perspectiva de salvamento quanto às nossas atividades laborais, enquanto profissionais da educação, contudo existem possibilidades de retorno às atividades pedagógicas sem aventuras açodadas. Por exemplo, poder-se-ia aproveitar o tempo que falta até o final do ano de 2020 para oportunizar a todo corpo docente das escolas, podendo alcançar inclusive os funcionários, por meio da EAD, cursos de formação profissional como primeiros socorros, uso das tecnologias na educação, combate e prevenção à doenças contagiosas (lembrando que nas escolas é comum alguém está com doença respiratória e/ou ser portador de morbidade), dentre tantas opções possíveis de serem implementadas. Concomitantemente, as secretarias de educação (estado e municípios) realizariam as reformas/adequações necessárias em todas as escolas quanto à contenção, à prevenção e ao combate à COVID-19.

Por fim, como possibilidade de continuidade do ano letivo 2020, nada impede que isso ocorra no primeiro semestre do próximo ano, antecipando-se o início das atividades presenciais em janeiro. No segundo semestre, dar-se-ia o ano letivo 2021. Com planejamento do processo ensino-aprendizagem, disponibilização de recursos humanos e de todos os recursos didáticos indispensáveis ao trabalho do(a) professor(a) como também disponibilização de recursos financeiros suficientes para manutenção das unidades escolares, certamente voltar-se-ia às aulas com mais segurança, minimizando a possibilidade de contágio entre todos na comunidade escolar, existindo até a perspectiva de vacina para todos.  Somos professores também para salvar vidas, não para tirá-las.

                                                         Prof. Ms. Renier Luiz Martins Mendes

                                                         (Município de Natal e estado do RN)

 


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