Volta
às aulas: viver ou morrer.
Em
1989, com 25 anos de idade, iniciei minha jornada pedagógica como professor de
Língua Portuguesa, assumindo turmas do 5º ano do ensino fundamental em uma
escola pública estadual do RN, localizada em um bairro de periferia na Cidade
de Natal, vão-se 31 anos. À época, o giz e a lousa em cimento queimado eram os
principais recursos didáticos à disposição do professor no ensino público. Não
existiam livros didáticos disponíveis para todos os discentes e quase não
existiam bibliotecas nas escolas. Quando existiam, o acervo era (e continua
sendo) paupérrimo, sem falar nas condições ambientais e equipamentos nunca
disponibilizados. Merenda escolar até existia, todavia, o cardápio e a
qualidade das refeições tiravam o apetite. E por que estou lembrando essa
realidade? Alguém que não seja professor(a) deve pensar que hoje a realidade
superficialmente descrita nas linhas anteriores ficou no passado. Não ficou. Há
avanços, isso é verdade, mas muito pálidos. Pessoalmente, enquanto profissional
da educação e por “exigências” inerentes à função, sempre busquei
atualização/formação (encontros, oficinas, congressos, seminários, pós-graduações,
cursos, entre outros), nunca correspondido em vantagens salariais ou em
condições de trabalho no ambiente escolar (premissa para a realização daquilo
que é planejado). Chego aos 56 anos, aposentadoria à vista; tendo lecionado em
várias escolas públicas do ensino fundamental ou médio, atuado também como
coordenador e diretor. Nesse percurso nunca vi ou trabalhei em uma escola
com totais condições sanitárias.
Se
alguém duvida, visite uma escola pública ou privada (na sua maioria), vá direto
aos banheiros dos estudantes e observe se existem pias e sanitários em
condições de uso, com sabão líquido ou sabonete, papel toalha, paredes limpas
sem infiltrações, piso limpo e seco, portas com fechaduras e limpas; aproveite
e visite as salas de aulas, certamente verificará paredes sujas, carteiras ou
mesas e armários com ferrugem, ventiladores ou ar-condicionados (se existirem)
em quantidade inadequada, sem manutenção, com fiação exposta, janelas e portas
quebradas, piso incompleto ou necessitando substituição, telhado ou teto
precisando de manutenção; visite a cozinha e fale com as merendeiras. Seja
curioso e pergunte sobre computadores para alunos e professores; se existirem,
ligue-os (talvez funcionem) e tente acessar a internet, verifique se existem lousas
digitais nas salas de aulas, projetor, lápis e apagador para uso exclusivo de
cada professor(a), pergunte se esses(as) alternam as salas na mudança de turma
ou permanecem na mesma sala; sem dúvida são muitos espaços e não descrevi o
ambiente para a prática esportiva e seus equipamentos. Para finalizar sua
visita, pergunte quando a escola passou por uma reforma/manutenção completa,
como também sobre o material didático disponível para os(as) professores(as) e
se existem recursos financeiros disponibilizados à escola suficientemente para
isso. Calma, vai passar!
Esse
é o painel pintado em cores vivas que tenho vivenciado há três décadas no
âmbito das escolas. Alguém pode afirmar com certeza se essa realidade vai mudar
da noite para o dia em conformidade com o que preceitua a OMS e os órgãos de
fiscalização e vigilância sanitária do Brasil, de um estado ou de um município
no momento de contenção, prevenção e combate ao coronavírus (COVID-19)?
Necessitar-se-á de tempo, bastante tempo para que tenhamos as condições
essenciais para o retorno às aulas presenciais. Transcrevo a opinião de uma mãe,
reservando-me o direito de não a nomear como precaução a qualquer tipo de
reação/comentário:
“Sobre o retorno das crianças à Escola: Nem médicos, nem os próprios
cientistas sabem ao certo o que é, como se manifesta, como se transmite, nem
nada sobre a COVID-19. Tantas pessoas que alegam não terem saído de casa e se
contaminaram.
E querer colocar as crianças juntas nesse momento? E uma escola não é
uma universidade, onde você fala para o aluno sente-se e assista a aula no seu
lugar.
Criança não para, criança se mexe, pula, brinca, precisa correr, coloca
o lápis na boca, os dedos nos olhos, compartilha brinquedo, abraça os amigos,
coloca as mãos em todos os lugares. Criança não tem maturidade para obedecer a
Protocolos de Segurança Sanitária!!
Eu NÃO sou a favor de mandar as crianças para a escola até ter certeza
da cura e prevenção.”
Outra opinião sensata tem o procurador municipal Carlos Castim, ex-secretário
interino na Secretaria Municipal de Educação de Natal, que afirmara em
entrevista ao jornal O Pantim no dia 13 de julho “Momento não é para retorno às aulas”, “Nos
estabelecimentos, as pessoas entram e saem, há uma rotatividade, mas na escola
elas permanecem e interagem”, ”Eu conheço a realidade, e são crianças muito
dependentes e carentes de atenção e afeto que se traduzem em contato físico”. Caso
você não tenha percebido, apresentei as opiniões de um professor (o autor do
texto), de um procurador (a justiça) e de uma mãe (a família), uníssonos nas
opiniões quanto à temática volta às aulas.
Paremos para pensar..., será
que a verdadeira preocupação é a aprendizagem dos estudantes ou será que
existem outros interesses escamoteados nesse afã por aulas presenciais em uma
realidade de pandemia, quando ainda não se tem sequer uma vacina como prevenção?
Será que os conteúdos não transmitidos/ estudados/ aprendidos perderam-se no
espaço, deixaram de existir nos livros ou plataformas digitais, são
irrecuperáveis assim como é a vida se deixada de existir? Ou estão/estarão eles
lá, disponíveis a qualquer hora e o tempo para apreendê-los é qualquer tempo
que favoreça à vida em primeiro lugar? O relógio não surgiu do nada, foi o
homem que o criou. Por que tanta pressa? O mundo não vai se acabar agora, mas
muitas vidas irão embora simplesmente pela dissimulação das verdadeiras
intenções por parte de um pequeno número de pessoas que, talvez, atuem em
defesa de um sistema econômico cruel, desumano. Atente-se que, na Constituição
da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, a dignidade da
pessoa humana (Art. 1º, § 3º) e a vida (Art. 5º) se antepõem à
educação (Art. 205). Portanto, trazendo à memória daqueles(as) que têm as
leis como algo soberano, a vida está em primeiríssimo lugar.
Vivemos momentos de incertezas em
todas as áreas é fato, parece que estamos à deriva sem perspectiva de
salvamento quanto às nossas atividades laborais, enquanto profissionais da
educação, contudo existem possibilidades de retorno às atividades pedagógicas
sem aventuras açodadas. Por exemplo, poder-se-ia aproveitar o tempo que falta
até o final do ano de 2020 para oportunizar a todo corpo docente das escolas,
podendo alcançar inclusive os funcionários, por meio da EAD, cursos de formação
profissional como primeiros socorros, uso das tecnologias na educação, combate
e prevenção à doenças contagiosas (lembrando que nas escolas é comum alguém
está com doença respiratória e/ou ser portador de morbidade), dentre tantas
opções possíveis de serem implementadas. Concomitantemente, as secretarias de
educação (estado e municípios) realizariam as reformas/adequações necessárias
em todas as escolas quanto à contenção, à prevenção e ao combate à COVID-19.
Por
fim, como possibilidade de continuidade do ano letivo 2020, nada impede que
isso ocorra no primeiro semestre do próximo ano, antecipando-se o início das
atividades presenciais em janeiro. No segundo semestre, dar-se-ia o ano letivo
2021. Com planejamento do processo ensino-aprendizagem, disponibilização de
recursos humanos e de todos os recursos didáticos indispensáveis ao trabalho
do(a) professor(a) como também disponibilização de
recursos financeiros suficientes para manutenção das unidades escolares,
certamente voltar-se-ia às aulas com mais segurança, minimizando a
possibilidade de contágio entre todos na comunidade escolar, existindo até a
perspectiva de vacina para todos. Somos
professores também para salvar vidas, não para tirá-las.
Prof.
Ms. Renier Luiz Martins Mendes
(Município
de Natal e estado do RN)
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